Por Pena Schmidt
http://penas.blogspot.com/2010/03/defendendo-musica-com-unhas-e-dentes.html
..."E agora queria passar a palavra para o Pena e para o Daniel. " Trinta pessoas olhando em minha direção. Quase uma hora da manhã, numa caverna urbana em Brasilia, uma passagem entre dois prédios, uma assembléia reunida sentada no chão olha para mim e espera. Em alguns segundos retornei da viagem que estava tendo, olhando aqueles rapazes e moças se articulando, distribuindo tarefas, relatando cada um sua parte na experiencia. Emocionados e decididos, uma cena que pode ter se repetido em muitos momentos da História. Minha viagem naquele momento era descobrir o que seria mais parecido com aquele momento ali em Brasilia. Jovens reunidos na madrugada, com um plano de ação se desenrolando e se encaixando em outros planos que tambem se desenrolavam ali ao lado. Que grande poder tem estas vidas se preparando para uma jornada comum. Eles podem chegar até a Lua! Marte! A conquista do universo, tudo é viavel quando se tem a vontade e a vida pela frente. E eu tinha que dizer alguma coisa ali, naquele momento. Amarelei e pedi para sair. - "Eu escrevo no meu blog, leiam lá". Daniel Zen, um jovem como eles, Secretario de Estado da Cultura do Acre, tomou a palavra, eloquente e elegante, mostrou sua satisfação com o esforço de todos e disse algo importante. Que mesmo sendo uma assembleia discutindo a construção da Música, na verdade todos eles estavam ali de preparando para outros papeis, tão importantes, que teriam de desempenhar como cidadãos. Fui dormir tranquilo porque o que precisava ser dito havia sido dito.
Por isso, e por que fui cobrado de minha promessa, vou ter que caprichar aqui para as testemunhas oculares deste rascunho ao vivo.
Brasilia não perdoa os amadores, e só com muita concentração é possivel escapar do calor, do ar seco, do concreto, da falta de caminhos para pedestres. Estavamos trabalhando num parque de tendas, próximos do chão vermelho, com a chuva batendo forte na lona e interrompendo. Uma centena de pessoas representando os estados todos e quase todos os setores da música, em debate permanente e sem trégua. Varias histórias retrançadas em alguns anos de associativismo, militancia em sindicatos e cooperativas e essa coisa nova, os coletivos, meio trabalho solidario, meio clube, meio célula revolucionaria. Todos ali, por varias razões, estavam praticando politica representativa, democracia participativa. Os trabalhos se desenrolariam em tres tarefas: uma eleição de delegados para a Conferencia Nacional de Cultura, uma discussão e escolha de 5 diretrizes da Música para serem incorporadas á pauta da CNC e uma eleição de um Colegiado de 15 delegados e seus suplentes, que irá participar nos trabalhos do Conselho Nacional de Politica Cultural. Era uma Pré-Conferencia Setorial da Música. Odeio a falta de poesia dos títulos, mas é trabalho necessario, cidadão, e o momento me fazia acreditar na veracidade das intenções. O povo estava ali para dar um jeito nas coisas da Música como modo de vida.
Pode levar um tempo para se recuperar de uma interrupção, fui ali. Dias depois retomo esta conversa indo na mesma direção, num avião de volta a Brasilia. Corta para algum dia em 2004. Junto com Natale estava viajando por todas as capitais do Brasil, um titulo raro, que requer muitas horas de voo e muitas passagens por Brasilia, conexão obrigatória. Nessa época faziamos uma tourne do projeto Rumos, mapeando a música, indo ao encontro dos músicos e produtores. Natale já tinha um traquejo, estava voltando aos lugares e já tinha desenvolvido uma rede de contatos. Eu era presidente da ABMI e meu papel era fazer uma palestra sobre o movimento associativo. A ABMI nasceu dentro do Itaucultural, num encontro de produtores de discos do Brasil todo, em 2000. Fazia minha palestra, basicamente explicando que vinha uma nova ordem fonografica pela frente e seria necessario se reorganizar a partir de coletivos, associacões de pequenos produtores, que só assim poderiam sobreviver ao caos prenunciado pelo desmanche da industria. Só se organizando em coletivos seria possivel negociar com o Municipio, o Estado e a União e ir buscar melhores condições para a Música Brasileira. Acenava com as facilidades incipientes da internet, as possibilidades da telefonia celular chegando a todos os brasileiros e com o futuro digital, mais simples e barato que o passado analógico da indústria fonografica.
Fazia minha palestra, participava da mesa e dos debates durante o dia todo. Saiamos para comer com o pessoal local, fazendo amigos. Na maioria dos lugares encontravamos um ambiente de insatisfação e impotencia, pela falta de informações ou de recursos. O máximo que o governo se aproximava da Música era em editais de patrocinios a gravações de discos, depois disso era problema seu. O que havia de organização eram alguns selos, pequenas empresas fonograficas fora do Rio e SP, alguns com decadas, alguns movimentos de resistencia, algumas produtoras de bandas de rock, alguns selos de música instrumental e era isso. Quase nada de coletivos, sindicatos, associações.
Em Cuiabá, fizemos nossa palestra, um nivel de participação surpreendente, mais atento. Vamos sair e visitar um lugar recomendado, o Espaço Cubo, uma produtora comunitaria. Uma comitiva, pessoas do pedaço e nós. Uma casa num bairro classe média, sem sinais por fora. Na sala, logo na entrada, estantes com livros, uma parede cheia deles. Uma biblioteca para empréstimos. Mudei a marcha mental, admirei aquela biblioteca e pensei em todas as estantes de livro que fizeram a minha juventude enxergar o mundo lá fora. Este lugar já se colocava em outro patamar, já não me parecia mais uma produtora de bandas de rock, havia ali uma proposta de dividir com quem chega, partilhar uma estante de livros, que coisa mais simbólica. Dai para a frente, a visita foi se tornando um espanto atrás de outro. Um nucleo de produção, um núcleo de artes, um nucleo de informatica, tudo muito simples, mal acomodado mesmo, mas operacional. Aqui as bandas se produzem, preparam seus espetáculos, fazemos festivais, já temos conexões e apoio da prefeitura, estamos melhorando nossa sala de ensaio, e temos nossa moeda, o CuboCard, que circula entre as bandas e o comercio local. Em algum momento desta fala de apresentação que o dirigente Pablo Capilé fazia, me perdi dos detalhes e fiquei saboreando aquele modelo especial de empreendimento. Uma proposta utopica, de construção de realidade alternativa, movida a café e dias de 25 horas, jovens com uma erudição surpreendente, economistas na jogada, pés firmes no chão. Pode dar certo, pode contaminar outras pessoas e se expandir, levei dali um registro apontando para o futuro.
Nossa caravana seguiu em frente, vimos o tamanho deste continente, passei a ter uma visão mais completa da cena musical, fiz amigos por ai tudo. No ar, a certeza que era preciso organizar a música de novo, a partir das novas possibilidades, mas principalmente das novas cabeças. Oxigenio para uma industria anacronica.
Durante estes anos que se passaram, foram se formando grupos, os foruns de músicos, houve uma tentativa de organizar uma Camara Setorial da Música, onde reencontrei colegas da jornada, como Fabricio Nobre, de Goiania, que a partir de um selo de rock criou festivais e partiu para juntar os festivais numa associação nacional, a Abrafim.
Eles estavam ali nessa caverna em Brasilia, agora ali na minha frente, os mesmos Fabricio e Capilé, agora puxando a fila do Fora do Eixo, um coletivo de coletivos, um nó convergente, um empreendimento que continua juntando forças, por principio.
Nos dois dias da Pré-Conferencia Setorial da Música, vi dois grandes blocos interagindo. O povo dos Foruns de Músicos e o povo dos Fora do Eixo. Havia a necessidade de se extrair 15 representantes de um lote de 100 participantes, de todos os estados e de varios setores: músicos, produtores, entidades, associações, praticamente um recorte da música toda. Os dois blocos principais juntos formavam a maioria e restavam alguns representantes que ainda não haviam tomado partido entre os dois blocos. Nos dois dias, presenciei uma batalha politica no melhor sentido, quando ambos os lados se alinharam na primeira noite, cada um no seu canto, cada grupo fazendo sua contagem de votos e avaliando quantos delegados conseguiria nomear se houvesse uma votação, traçando estratégias, o povo do fora do eixo com um discurso de que seria importante conseguir o consenso de todos, evitar o confronto final e que para isso era preciso conversar e extrair o consenso. Num momento mirabolante, algumas dezenas de foras do eixo decidem ir falar com o povo dos foruns, que eram em maior numero e as duas delegações se fundem num verdadeiro quebrapau verbal, tirando diferenças uma a uma, recolocando frases no contexto, passando a limpo. Ali se iniciou um processo que iria durar dois dias e que terminou muito bem, quando se conseguiu acomodar nos 15 delegados e seus suplentes todas as vertentes, todos os estados, de forma prática e pragmática. Vamos aterrisar neste avião e ainda falta um paragrafo ou dois.
O que faço eu nesta conversa com o governo, no meio do governo? Observo e sou observado, eu acho. Fui convidado a participar, sem direito a voto, ok. Minha carreira é do mercado, tenho uns ventos idealistas que às vezes parecem socialistas, mas não entendo nada disso. Na verdade, para mim foi uma verdadeira aula de Politica, aprendi sobre questões de ordem, incisos, e o jargão. Algumas pessoas ali tinham formação teorica, erudita, sociólogos disfarçados de roqueiros e filósofos sociais com prática de balcão. Cresci e me formei na hierarquia da industria, uns mandando e todos obedecendo, mas passei a vida observando o socialismo musical das bandas de rock contrastando com a aristocracia musical da orquestra sinfonica. E lá estão eles, horizontalmente procurando o consenso, como eu vi os Titãs praticarem, não havia 7 x 1, era todos ou nada. Democracia radical, eu acho.
O governo entra na história por uma causa simples, tudo isto acontece como uma tentativa de se trazer ordem, organização, algum tipo de estrutura a um setor que sofre com as consequencias do já falado anacronismo que virou a industria e o mercado da Música, e acho que isso tambem acontece pelo resto das industrias criativas. Só o governo, começando pelo federal, tem condições de ir buscar algum tipo de atenção para todos se disporem a conversar juntos. Inclua embaixo da mesma lona as majors, os editores, os independentes, os festivais de rock, a universidade, a imprensa especializada, os operarios da música, os criadores, os sindicalistas e os coletivos solidarios, as casas. Diga para eles que terão de conversar sobre direitos de propriedade, pisos minimos, remuneração digital, legislação trabalhista, incentivos fiscais e verbas para projetos. Nem uma palavra sobre as musas. O pior é que não há saida simples nem um partido de idéias. Chamar de setor da economia da música talvez ajude a descrever o que seja este ente embaixo da lona lá em Brasilia. Pois este conjunto de diferentes iguais precisa superar o monólogo paroquial, a conversa conhecida e precisa se embrenhar numa busca de ideario comum, vai precisar virar um Partido da Música, uma ala do Partido da Cultura, se quiser participar deste enorme pais que planta soja, extrai petroleo e constroi aviões. A Música mais rica do mundo aqui mendiga patrocinios porque não existe mercado, só lá fora. Sem subsidios, editais e burocracia não se produzem espetáculos, não se gravam discos, não se faz rock nem mpb. Esta não é a melhor relação entre artistas e seu público e assim o processo se autodevora pelo rabo. Enfim, é preciso ir lá dentro do governo para tentar uma alternativa de recriação, de reconstrução depois da guerra perdida com o mercado de massa sem investimento na diferença, um equivoco histórico. Participo porque não vejo alternativa sem que se mudem leis, sem que se busque recursos fora do mercado como está, mal arrumado. É melhor que se converse e procure alternativas, juntos.
Os meninos e meninas ali sentados em roda no chão não teriam paciencia para me esperar juntar estes estilhaços de pensamentos num discurso, numa fala como eles dizem. Não sou do ramo. Mas sei ver quando uma idéia carrega sua ferramenta de realização. Cada um deles representava um nucleo de produção movido a entusiasmo, avido por encontrar um público que existe e irá se maravilhar, pela capacidade de trocar experiencias, de organizar conhecimento, pela pratica do quem tem põe e quem precisa tira. Um organiza um site comum, outro cria o modelo de documentação, outro explica como registrar um evento e transforma-lo em cinema. Eu vi, com estes olhos miopes, uma reunião com o poder de fogo dos melhores momentos numa empresa multinacional global. Eram mais de meia noite, eles eram mais de trinta e com um batalhão destes se ganha qualquer campeonato.
Por isso, e por que fui cobrado de minha promessa, vou ter que caprichar aqui para as testemunhas oculares deste rascunho ao vivo.
Brasilia não perdoa os amadores, e só com muita concentração é possivel escapar do calor, do ar seco, do concreto, da falta de caminhos para pedestres. Estavamos trabalhando num parque de tendas, próximos do chão vermelho, com a chuva batendo forte na lona e interrompendo. Uma centena de pessoas representando os estados todos e quase todos os setores da música, em debate permanente e sem trégua. Varias histórias retrançadas em alguns anos de associativismo, militancia em sindicatos e cooperativas e essa coisa nova, os coletivos, meio trabalho solidario, meio clube, meio célula revolucionaria. Todos ali, por varias razões, estavam praticando politica representativa, democracia participativa. Os trabalhos se desenrolariam em tres tarefas: uma eleição de delegados para a Conferencia Nacional de Cultura, uma discussão e escolha de 5 diretrizes da Música para serem incorporadas á pauta da CNC e uma eleição de um Colegiado de 15 delegados e seus suplentes, que irá participar nos trabalhos do Conselho Nacional de Politica Cultural. Era uma Pré-Conferencia Setorial da Música. Odeio a falta de poesia dos títulos, mas é trabalho necessario, cidadão, e o momento me fazia acreditar na veracidade das intenções. O povo estava ali para dar um jeito nas coisas da Música como modo de vida.
Pode levar um tempo para se recuperar de uma interrupção, fui ali. Dias depois retomo esta conversa indo na mesma direção, num avião de volta a Brasilia. Corta para algum dia em 2004. Junto com Natale estava viajando por todas as capitais do Brasil, um titulo raro, que requer muitas horas de voo e muitas passagens por Brasilia, conexão obrigatória. Nessa época faziamos uma tourne do projeto Rumos, mapeando a música, indo ao encontro dos músicos e produtores. Natale já tinha um traquejo, estava voltando aos lugares e já tinha desenvolvido uma rede de contatos. Eu era presidente da ABMI e meu papel era fazer uma palestra sobre o movimento associativo. A ABMI nasceu dentro do Itaucultural, num encontro de produtores de discos do Brasil todo, em 2000. Fazia minha palestra, basicamente explicando que vinha uma nova ordem fonografica pela frente e seria necessario se reorganizar a partir de coletivos, associacões de pequenos produtores, que só assim poderiam sobreviver ao caos prenunciado pelo desmanche da industria. Só se organizando em coletivos seria possivel negociar com o Municipio, o Estado e a União e ir buscar melhores condições para a Música Brasileira. Acenava com as facilidades incipientes da internet, as possibilidades da telefonia celular chegando a todos os brasileiros e com o futuro digital, mais simples e barato que o passado analógico da indústria fonografica.
Fazia minha palestra, participava da mesa e dos debates durante o dia todo. Saiamos para comer com o pessoal local, fazendo amigos. Na maioria dos lugares encontravamos um ambiente de insatisfação e impotencia, pela falta de informações ou de recursos. O máximo que o governo se aproximava da Música era em editais de patrocinios a gravações de discos, depois disso era problema seu. O que havia de organização eram alguns selos, pequenas empresas fonograficas fora do Rio e SP, alguns com decadas, alguns movimentos de resistencia, algumas produtoras de bandas de rock, alguns selos de música instrumental e era isso. Quase nada de coletivos, sindicatos, associações.
Em Cuiabá, fizemos nossa palestra, um nivel de participação surpreendente, mais atento. Vamos sair e visitar um lugar recomendado, o Espaço Cubo, uma produtora comunitaria. Uma comitiva, pessoas do pedaço e nós. Uma casa num bairro classe média, sem sinais por fora. Na sala, logo na entrada, estantes com livros, uma parede cheia deles. Uma biblioteca para empréstimos. Mudei a marcha mental, admirei aquela biblioteca e pensei em todas as estantes de livro que fizeram a minha juventude enxergar o mundo lá fora. Este lugar já se colocava em outro patamar, já não me parecia mais uma produtora de bandas de rock, havia ali uma proposta de dividir com quem chega, partilhar uma estante de livros, que coisa mais simbólica. Dai para a frente, a visita foi se tornando um espanto atrás de outro. Um nucleo de produção, um núcleo de artes, um nucleo de informatica, tudo muito simples, mal acomodado mesmo, mas operacional. Aqui as bandas se produzem, preparam seus espetáculos, fazemos festivais, já temos conexões e apoio da prefeitura, estamos melhorando nossa sala de ensaio, e temos nossa moeda, o CuboCard, que circula entre as bandas e o comercio local. Em algum momento desta fala de apresentação que o dirigente Pablo Capilé fazia, me perdi dos detalhes e fiquei saboreando aquele modelo especial de empreendimento. Uma proposta utopica, de construção de realidade alternativa, movida a café e dias de 25 horas, jovens com uma erudição surpreendente, economistas na jogada, pés firmes no chão. Pode dar certo, pode contaminar outras pessoas e se expandir, levei dali um registro apontando para o futuro.
Nossa caravana seguiu em frente, vimos o tamanho deste continente, passei a ter uma visão mais completa da cena musical, fiz amigos por ai tudo. No ar, a certeza que era preciso organizar a música de novo, a partir das novas possibilidades, mas principalmente das novas cabeças. Oxigenio para uma industria anacronica.
Durante estes anos que se passaram, foram se formando grupos, os foruns de músicos, houve uma tentativa de organizar uma Camara Setorial da Música, onde reencontrei colegas da jornada, como Fabricio Nobre, de Goiania, que a partir de um selo de rock criou festivais e partiu para juntar os festivais numa associação nacional, a Abrafim.
Eles estavam ali nessa caverna em Brasilia, agora ali na minha frente, os mesmos Fabricio e Capilé, agora puxando a fila do Fora do Eixo, um coletivo de coletivos, um nó convergente, um empreendimento que continua juntando forças, por principio.
Nos dois dias da Pré-Conferencia Setorial da Música, vi dois grandes blocos interagindo. O povo dos Foruns de Músicos e o povo dos Fora do Eixo. Havia a necessidade de se extrair 15 representantes de um lote de 100 participantes, de todos os estados e de varios setores: músicos, produtores, entidades, associações, praticamente um recorte da música toda. Os dois blocos principais juntos formavam a maioria e restavam alguns representantes que ainda não haviam tomado partido entre os dois blocos. Nos dois dias, presenciei uma batalha politica no melhor sentido, quando ambos os lados se alinharam na primeira noite, cada um no seu canto, cada grupo fazendo sua contagem de votos e avaliando quantos delegados conseguiria nomear se houvesse uma votação, traçando estratégias, o povo do fora do eixo com um discurso de que seria importante conseguir o consenso de todos, evitar o confronto final e que para isso era preciso conversar e extrair o consenso. Num momento mirabolante, algumas dezenas de foras do eixo decidem ir falar com o povo dos foruns, que eram em maior numero e as duas delegações se fundem num verdadeiro quebrapau verbal, tirando diferenças uma a uma, recolocando frases no contexto, passando a limpo. Ali se iniciou um processo que iria durar dois dias e que terminou muito bem, quando se conseguiu acomodar nos 15 delegados e seus suplentes todas as vertentes, todos os estados, de forma prática e pragmática. Vamos aterrisar neste avião e ainda falta um paragrafo ou dois.
O que faço eu nesta conversa com o governo, no meio do governo? Observo e sou observado, eu acho. Fui convidado a participar, sem direito a voto, ok. Minha carreira é do mercado, tenho uns ventos idealistas que às vezes parecem socialistas, mas não entendo nada disso. Na verdade, para mim foi uma verdadeira aula de Politica, aprendi sobre questões de ordem, incisos, e o jargão. Algumas pessoas ali tinham formação teorica, erudita, sociólogos disfarçados de roqueiros e filósofos sociais com prática de balcão. Cresci e me formei na hierarquia da industria, uns mandando e todos obedecendo, mas passei a vida observando o socialismo musical das bandas de rock contrastando com a aristocracia musical da orquestra sinfonica. E lá estão eles, horizontalmente procurando o consenso, como eu vi os Titãs praticarem, não havia 7 x 1, era todos ou nada. Democracia radical, eu acho.
O governo entra na história por uma causa simples, tudo isto acontece como uma tentativa de se trazer ordem, organização, algum tipo de estrutura a um setor que sofre com as consequencias do já falado anacronismo que virou a industria e o mercado da Música, e acho que isso tambem acontece pelo resto das industrias criativas. Só o governo, começando pelo federal, tem condições de ir buscar algum tipo de atenção para todos se disporem a conversar juntos. Inclua embaixo da mesma lona as majors, os editores, os independentes, os festivais de rock, a universidade, a imprensa especializada, os operarios da música, os criadores, os sindicalistas e os coletivos solidarios, as casas. Diga para eles que terão de conversar sobre direitos de propriedade, pisos minimos, remuneração digital, legislação trabalhista, incentivos fiscais e verbas para projetos. Nem uma palavra sobre as musas. O pior é que não há saida simples nem um partido de idéias. Chamar de setor da economia da música talvez ajude a descrever o que seja este ente embaixo da lona lá em Brasilia. Pois este conjunto de diferentes iguais precisa superar o monólogo paroquial, a conversa conhecida e precisa se embrenhar numa busca de ideario comum, vai precisar virar um Partido da Música, uma ala do Partido da Cultura, se quiser participar deste enorme pais que planta soja, extrai petroleo e constroi aviões. A Música mais rica do mundo aqui mendiga patrocinios porque não existe mercado, só lá fora. Sem subsidios, editais e burocracia não se produzem espetáculos, não se gravam discos, não se faz rock nem mpb. Esta não é a melhor relação entre artistas e seu público e assim o processo se autodevora pelo rabo. Enfim, é preciso ir lá dentro do governo para tentar uma alternativa de recriação, de reconstrução depois da guerra perdida com o mercado de massa sem investimento na diferença, um equivoco histórico. Participo porque não vejo alternativa sem que se mudem leis, sem que se busque recursos fora do mercado como está, mal arrumado. É melhor que se converse e procure alternativas, juntos.
Os meninos e meninas ali sentados em roda no chão não teriam paciencia para me esperar juntar estes estilhaços de pensamentos num discurso, numa fala como eles dizem. Não sou do ramo. Mas sei ver quando uma idéia carrega sua ferramenta de realização. Cada um deles representava um nucleo de produção movido a entusiasmo, avido por encontrar um público que existe e irá se maravilhar, pela capacidade de trocar experiencias, de organizar conhecimento, pela pratica do quem tem põe e quem precisa tira. Um organiza um site comum, outro cria o modelo de documentação, outro explica como registrar um evento e transforma-lo em cinema. Eu vi, com estes olhos miopes, uma reunião com o poder de fogo dos melhores momentos numa empresa multinacional global. Eram mais de meia noite, eles eram mais de trinta e com um batalhão destes se ganha qualquer campeonato.
Nenhum comentário:
Postar um comentário